*Texto enviado em 20 de maio de 2024
Como se mede o tempo? Em horas, minutos, segundos? Em centímetros de uma água que sobe e desce e que faz cada dia conter nele uma eternidade?
São 22 os dias desde que numa terça-feira minha mãe, lá em Faxinal do Soturno, me diz que meu pai foi trabalhar em Santa Maria e não conseguiu voltar para casa. As águas sobem na região central do estado e levam com elas tudo o que encontram: pontes, asfalto, árvores, terra, lama, vidas. A universidade embaixo d’água, o morro que desmorona, o pai que não chega. E a angústia, que só faz crescer no peito.
Os dias passam, a chuva aperta, o terror se espalha. Já é centro, já é vale, já é região metropolitana. O aniversário que não se comemora, a viagem do dia das mães que não é feita, tudo em suspenso. A família conectada pela dor e pelo medo. O horror na televisão, no rádio, o horror na falta de comunicação e na voz embargada, nas palavras que dizem que vai ficar tudo bem quando a gente sabe, o Estado todo sabe (e nessa altura o País também) que não, não vai ficar tudo bem. Nada está bem diante dessa desgraça, dessa tragédia anunciada e gestada por tanta gente poderosa, que escolheu essa agenda que hoje todos nós pagamos.
A água segue seu curso e chega à Lagoa dos Patos, o caminho para o desaguar final. Nesse percurso, ela chega a mim, aos meus amigos, meus colegas. Segue seu rumo de destruição, horror, tristeza. Vem fazendo mais e mais desalojados, gente que já viu a força das águas em um não distante março de 2011, e que hoje reedita seus traumas.
A gente por aqui conta os dias em centímetros. “Bom dia, hoje estamos em 2,60. Boa noite, 2,88 por aqui”. A mala na casa de amigos, mochilas prontas, caixas de transporte organizadas para a possível evacuação a qualquer hora, qualquer tempo. E a comemoração a cada dia que não é preciso sair de casa. Comemorando pequenas vitórias, mesmo sabendo que ninguém sairá ileso desse assombro, dessa dor que teve início, mas que não sabemos se terá fim.
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