Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Diário da Enchente

Inspirado no Diário da Pandemia – uma pessoa por dia, um dia de cada vez, iniciativa de Julia Dantas – o Diário da Enchente reúne relatos sobre a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. Editado por Luís Felipe dos Santos (@lfds85) e Raphaela Flores (@rapha_donaflor). Foto: Isabelle Rieger.

Os dias contados na régua da Lagoa dos Patos, por Djeniffer Rodrigues Coradini

*Texto enviado em 20 de maio de 2024

Como se mede o tempo? Em horas, minutos, segundos? Em centímetros de uma água que sobe e desce e que faz cada dia conter nele uma eternidade?

São 22 os dias desde que numa terça-feira minha mãe, lá em Faxinal do Soturno, me diz que meu pai foi trabalhar em Santa Maria e não conseguiu voltar para casa. As águas sobem na região central do estado e levam com elas tudo o que encontram: pontes, asfalto, árvores, terra, lama, vidas. A universidade embaixo d’água, o morro que desmorona, o pai que não chega. E a angústia, que só faz crescer no peito.

Os dias passam, a chuva aperta, o terror se espalha. Já é centro, já é vale, já é região metropolitana. O aniversário que não se comemora, a viagem do dia das mães que não é feita, tudo em suspenso. A família conectada pela dor e pelo medo. O horror na televisão, no rádio, o horror na falta de comunicação e na voz embargada, nas palavras que dizem que vai ficar tudo bem quando a gente sabe, o Estado todo sabe (e nessa altura o País também) que não, não vai ficar tudo bem. Nada está bem diante dessa desgraça, dessa tragédia anunciada e gestada por tanta gente poderosa, que escolheu essa agenda que hoje todos nós pagamos.

A água segue seu curso e chega à Lagoa dos Patos, o caminho para o desaguar final. Nesse percurso, ela chega a mim, aos meus amigos, meus colegas. Segue seu rumo de destruição, horror, tristeza. Vem fazendo mais e mais desalojados, gente que já viu a força das águas em um não distante março de 2011, e que hoje reedita seus traumas. 

A gente por aqui conta os dias em centímetros. “Bom dia, hoje estamos em 2,60. Boa noite, 2,88 por aqui”. A mala na casa de amigos, mochilas prontas, caixas de transporte organizadas para a possível evacuação a qualquer hora, qualquer tempo. E a comemoração a cada dia que não é preciso sair de casa. Comemorando pequenas vitórias, mesmo sabendo que ninguém sairá ileso desse assombro, dessa dor que teve início, mas que não sabemos se terá fim. 

509 respostas para “Os dias contados na régua da Lagoa dos Patos, por Djeniffer Rodrigues Coradini”

  1. Avatar de Viviane Teresinha Biacchi Brust
    Viviane Teresinha Biacchi Brust

    Em meio a esta tragédia, mesmo em palavras que em nada remetem a vitórias, encontrar poesia envolta em sensibilidade do olhar, é alento e afago no coração. Mais ainda, quando reconhecemos, nas frases em suas texturas/tecituras, uma ex-aluna de ensino fundamental e médio cujo presença fazia fazer sentido nosso cotidiano na escola. Obrigada, Djeniffer, obrigada, Dini!

  2. Avatar de Viviane Teresinha Biacchi Brust
    Viviane Teresinha Biacchi Brust

    Em meio a esta tragédia, mesmo em palavras que em nada remetem a vitórias, encontrar poesia envolta em sensibilidade do olhar é alento e afago no coração. Mais ainda, quando reconhecemos, nas frases em suas texturas/tecituras, uma ex-aluna de ensino fundamental e médio cujo presença fazia fazer sentido nosso cotidiano na escola. Obrigada, Djeniffer, obrigada, Dini!