Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Diário da Enchente

Inspirado no Diário da Pandemia – uma pessoa por dia, um dia de cada vez, iniciativa de Julia Dantas – o Diário da Enchente reúne relatos sobre a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. Editado por Luís Felipe dos Santos (@lfds85) e Raphaela Flores (@rapha_donaflor). Foto: Isabelle Rieger.

O caos interminável?, por Ricardo Morales

Acordei e a impressão é que estava deitado debaixo de alguma marquise. No ar havia um cheiro de umidade acima do normal. Ouvia a chuva torrencial e algum vento pelo barulho das folhas das árvores. Que bom estar em uma cama quente, pensei. Mas, precisava ir ao banheiro. Rolei por baixo do edredon, joguei a coberta pro lado, sentei e pus os pés no chão. Foi como se tivesse levado um choque.

Meus pés estavam quentes e o piso de parquet frio, porém, molhado. Recolhi os joelhos, deixei os pés suspensos, tentei enxergar o que era aquilo. Não deu, estava escuro demais. Tateei a procura dos chinelos, tinha muita água, desisti e fui até o interruptor e, inadvertidamente, acendi a luz. Tive sorte, podia ter sido eletrocutado.

O cenário era impressionante, mais da metade do meu quarto estava com uma camada d’água. Uns dois centímetros fácil na parte mais funda. Sim, porque a água vinha de um lado do cômodo, não era uniforme.

Arredei como pude a cama tipo box e vi que do chão e da base da parede vertia água. Era como se fosse uma nascente de rio. Saía um líquido turvo, não tinha mau cheiro, mas parecia sujo.

Comecei o trabalho com um balde e alguns panos. Tentei enxugar, torcer, enxugar outra vez. Minhas mãos ficaram geladas e a cada torcida nos panos a vermelhidão ia aumentando. No terceiro balde desisti, o trabalho não rendia, a chuva não dava trégua e a água seguia entrando.

Moro no térreo, na Fernando Machado, no centro histórico de Porto Alegre e, não, não foi a enchente de maio que inundou o meu quarto. Isso aconteceu há dois anos.

O dono do terreno ao lado do edifício resolver colocar caminhões-tombadeira com as caçambas lotadas de caliça e de terra. Não supôs que a água da chuva poderia correr entre todo aquele entulho e vir achar um lugar para se infiltrar na parede do meu apartamento. Talvez, aquela parte não estivesse impermeabilizada.

Enfim, depois de algumas negociações, foi feita a drenagem do terreno e na parede do prédio.

Desde que se iniciaram as chuvas que resultou na catástrofe que vivemos e no descontrole administrativo da cidade, nem uma gota d’água apareceu. A parede e o piso estão secos. Por que? A resposta é simples. Detectado o problema, a solução foi buscada. Não foi nada tranquila.

Hoje é três de junho, chove em Porto Alegre e o vento é sul. Ipanema está com a orla debaixo d’água, outra vez. A Praia de Belas mudou de nome, agora, chama-se Praia das Garças, por motivos óbvios.

O caos é interminável? Até quando vamos suportar? A palavra é ausência de gestão.

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