*Texto enviado no dia 27 de maio de 2024.
Pouco saí de casa nas últimas semanas, por motivos de morar em Porto Alegre, não ter um barco, um jetski, uma canoa e estar com minha carteira de arrais amador vencida. Todos os percursos feitos em maio até o final de semana passado foram friamente calculados para evitar o rio. Talvez, eu ande meio monotemática, mas tô que nem os bueiros da cidade. A coisa vem quase que espontaneamente de dentro pra fora.
Eis que final de semana passado aproveitei a baixa momentânea das águas e saí da minha toca seca. Me desloquei por caminhos há tempos não dirigidos, porque mesmo que eu quisesse uma semana antes só poderiam ser navegados. Acompanhada das minhas pimpolhas e mais duas emprestadas rumamos a um aniversário. Festinha apelidada de “parabéns tampão”, porque a festa programada foi inviabilizada pelo estado de calamidade, mas como quando se completa quatro anos “calamidade” não é um conceito muito claro, minha amiga, mãe da aniversariante, achou interessante chamar assim um encontro improvisado, em homenagem à sua filha, em uma cidade que vaza tanto. Eu e minha excursão infantil, andamos pelas ruas com olhos atentos, procurando, através dos vidros fechados, as mudanças que a cheia trouxe. Um paradoxo da cidade é que mesmo paralisada ainda assim ela é dinâmica.
Quando chegamos ao nosso destino, um prédio bem perto da área mais central que esteve alagada por muito tempo (e agora está alagada de novo), descemos do carro e fomos envolvidas por um cheiro pútrido. As crianças começaram a tapar os narizes e dizer escandalosamente: “Eca que nojo!” “ Que cheiro é esse!” “Quem peidou?” “Foi tu, sua porca?”
Respondi: “Esse é o cheiro da cidade agora que a água da enchente começou a baixar.”
A vontade era dizer: Amores, calmem, c@garam! C@garam na cidade, c@garam no sistema de prevenção, c@garam no DMAE, c@garam na Defesa Civil, c@garam na legislação ambiental, c@garam na cabeça do povo, c@garam para a ciência, c@garam pro aquecimento global, c@garam no mundo! Mas me contive porque sempre fico com medo de falar algo assim, elas entenderem de forma literal e repetirem em local inadequado. Se bem que inadequado mesmo é fazer tanta c@gada e culpar a chuva, o rio, a natureza.
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