- Texto enviado no dia 18 de maio de 2024.
Tudo está em suspensão. A vida parece estar pausada, para, em algum momento, voltar.
De repente, uma história toda construída se vai, bens tão batalhados, memórias, bichinhos, familiares. Para tudo! Suspende tudo.
As luzes da cidade se apagam, os caminhos são interrompidos. O estado que foi assolado pela água, agora luta pela água de beber. Mas essa luta é desigual, pois quem tem grana e casa seca faz a limpa.
É um sentimento que, penso eu, ninguém consegue direito explicar, pois ninguém tinha a dimensão ou noção do que representariam enchentes desta proporção. Era coisa de filme, de modelo matemático, mas, certamente, era coisa distante. Parecia… É um misto de incredulidade, raiva, medo e tristeza. E tudo vem junto, de uma só vez.
Muitos ajudam, resgatam, cuidam; muitos estão atônitos tentando lidar com essa vida que, no susto, parou. Outros não tem forças para lidar com a tensão da situação.
Imagine simplesmente ter de sair de casa com a roupa do corpo às pressas e de repente se ver abrigado com centenas de desconhecidos e sendo tratado como alguém incapaz de decidir qualquer coisa: o que vai comer, vestir ou até a hora de dormir.
Imagine você receber de outras pessoas a fantasia tamanho adulto do Batman para vestir ou uma lingerie sensual e sapatos de salto alto. Ainda bem que o pessoal da triagem está atento a essas violências travestidas de doação.
Imagine estar em um lugar dito seguro sem ter segurança alguma porque você é uma mulher ou uma menina. Imagine ter de pagar valores absurdos por alimentos básicos, porque o dono da rede de supermercados viu uma ótima oportunidade para lucrar.
Imagine a sua cidade inteira ser levada do mapa. São tantas cenas para imaginar e tudo isso acontecendo aqui, conosco.
Não tem mais como voltar ao normal. Não tem. Não tem como a escola retornar na semana que vem, não dá para exigir do trabalhador que ele bata o ponto. Já era.
Estamos suspensos, esperando a chuva dar uma trégua e esperar os cursos d’água retomarem a sua normalidade. Enquanto isso, as pessoas sobrevivem incrédulas, pasmas, chocadas. Cada um do seu jeito, mas certamente todos processando esse sentimento estranho que tomou conta da gente.
Prof. Dra. Maíra Suertegaray Rossato
Profa. Titular Depto. Humanidades – Geografia – Colégio de Aplicação/UFRGS
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