Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Diário da Enchente

Inspirado no Diário da Pandemia – uma pessoa por dia, um dia de cada vez, iniciativa de Julia Dantas – o Diário da Enchente reúne relatos sobre a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. Editado por Luís Felipe dos Santos (@lfds85) e Raphaela Flores (@rapha_donaflor). Foto: Isabelle Rieger.

Carta de uma sobrevivente do emocional, por Magali de Rossi

*Texto enviado no dia 17 de maio de 2024.

Sabemos que o hábito de escrever um relato do cotidiano, atravessa os séculos, e nele são depositados recortes de memórias pelas quais, se tornam um pedaço de uma vida e das múltiplas experiências diárias, como se fosse uma cápsula da alma, que de vez em quando recorremos para o alivio das emoções.

Confesso que sou relapsa quando o assunto é registrar um dia em uma folha. Sou forçada pela dinâmica de um tempo que se apressa no que tange o imaginário e se concreta em um fim de dia em que os olhos mal podem com a paisagem devido cansaço da labuta. 

Hoje é dia 17 de maio de 2024, meus olhos veem uma paisagem completamente diferente e o cansaço parece ficar em segundo plano, porque os olhos estão vidrados penetrados em um horizonte devastado. Uma mistura de sentimentos – Por um lado a gratidão por tantas campanhas de solidariedade e vidas salvas por pessoas comuns, ver as forças de estado unidas na calamidade…. Estar viva, de ter uma cama quente. Por outro lado, em proporção igual, sentir o desespero de pessoas e animais clamando por socorro, ver cidades devastadas, sonhos ceifados, fake news criando desordem, a cultura sofrendo mais uma vez pelo jogo perverso do sistema que a coloca no final da fila do pão. 

Nestes quase 20 dias estive passando por vários momentos, o choque de não acreditar que isso um dia poderia acontecer, mesmo com tantos alertas de pesquisadores ambientais, chorar constantemente ao olhar as cenas de resgates de pessoas e animais penando quase que moribundos, ver agenda de shows caindo um a um, investidores amedrontados com o futuro…a indignação com o poder público municipal pelo descaso, raiva… agora estou tentando ressuscitar, mas creio que não serão nos próximos três dias!

Acredito que irei ressurgir das águas profundas da mente nos próximos três anos.

Parece, em primeira instância, que as águas da vida afogaram a esperança! 

Ainda bem que o “parece”, cumpre sua função de ser algo superficial, sem análise profunda…o que possibilita a mim, este ser que respira sonhos, ver uma luz no fim do túnel da cultura e das pessoas. 

O caminho do túnel que teremos que percorrer, será longo, por horas a luz se afastará como um sinal minguado no céu, por outro lado haverá situações que está luz ofuscará os olhos; tudo dependerá de uma força tarefa coletiva, estatal e individual em todas as frentes. 

Neste momento ainda somos um grande acampamento farroupilha, farrapos do séc. 21. 

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