A vendedora segurava duas capas de proteção para notebook, uma em cada mão, enquanto me explicava preços e opções. Eu a ouvia mas não a escutava. Senti um apito no ouvido e minha visão ficou turva. Era o sétimo dia que eu não tinha notícias da minha mãe e tentava fingir normalidade vivendo a mais de 6 mil km de distância da maior tragédia que a minha terra já passou. As cidades onde nasci, cresci, estudei e me diverti eram o epicentro da emergência climática e eu não podia fazer nada mais que xingar no Twitter.
10 segundos antes de sentar no chão no meio do shopping aqui em Barcelona, eu recebi uma mensagem do prefeito de Vespasiano Correa dizendo que novamente não haviam conseguido acessar a região onde fica a casa da minha mãe e não tinham nenhuma notícia sobre ela e os vizinhos.
– Amanhã tentaremos de novo.
Ela mora no nosso sítio, que já foi pousada e refúgio, uma casa em região de encosta no meio de um mar verde no meio da montanha e do lado rio, perto do viaduto 13. Eu cresci lá, sei da potência da natureza. E pelos parâmetros que conhecia e o que via nas notícias nos últimos 7 dias, havia motivos de sobra pra pensar que minha mãe estava em risco. Afinal, quem não estava? Minha pressão baixou porque eu já não conseguia mais fingir normalidade e otimismo.
Nestes 7 dias, vivendo em uma cidade funcional, indo e voltando ao trabalho em segurança, abrindo a torneira com água e escolhendo a melhor capa de notebook no shopping, eu tentei manter meu otimismo com a ironia típica do desespero:
– Na pior das hipóteses minha mãe só tá sem cigarro.
Eu me repetiria isso diariamente, mas com cada vez menos ênfase e convicção. Foram esses dias de sentir-se culpado por estar longe, de sentir-se impotente diante do caos, de sentir raiva, nojo e escracho por tanto descaso.
No dia seguinte, enquanto falava com meu tio em São Paulo e discutia a hipótese de alugar um helicóptero, foi quando chegou uma nova mensagem. Dessa vez não teve zumbido. Pude ouvir, escutar e entender.
“Tua mãe pediu para avisar tu e a Silvinha que ela tá bem”.
Tivemos sorte. A casa não desmoronou, mas a natureza em que cresci e me formei já não é a mesma. Encantado, Roca Sales, Muçum, os lugares de onde vêm minhas melhores memórias, já não são mais os mesmos. O mundo já não é mais o mesmo.
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