Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Diário da Enchente

Inspirado no Diário da Pandemia – uma pessoa por dia, um dia de cada vez, iniciativa de Julia Dantas – o Diário da Enchente reúne relatos sobre a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. Editado por Luís Felipe dos Santos (@lfds85) e Raphaela Flores (@rapha_donaflor). Foto: Isabelle Rieger.

Um date no fim do mundo ou a noite de que durou onze dias, relato anônimo

Já estava chovendo um tanto dia 3, mas a proposta de um segundo date e ir até Novo Hamburgo parecia uma ótima pedida. Peguei um Uber da zona norte até a estação Farrapos (as outras estações já estavam alagadas) e, no trajeto, já avistava a água chegando perto. Era o começo do caos, tudo já estava transbordando, minha vontade de transar também e eu não tinha nenhuma comporta pra me barrar, só queria chegar em NH.
 
Embarquei no último trem, em seguida a Transurb já suspendeu as operações.
 
Chegando no meu destino, a chuva incessante e as notícias do caos que vinham chegando, o date virou uma ida no supermercado pra ítens essenciais: cerveja e coisinhas boas pra cozinhar.
Tudo lindo e divertido. Enquanto o mundo acabava, eu estava transando, bebendo e fumando maconha.
 
O cara ainda cozinhava formidavelmente, me senti muito sortuda, igual a quem tem as bombas de escoamento funcionando perto de casa.
 
Neste dia, eu ainda pensava que o date seria de apenas dois dias.
 
Dia 5, o apocalipse estava completamente instaurado. Éramos negacionistas da realidade lá fora, mas fazendo bem a manutenção da casa de bombas do lado de dentro. O cenário era que eu não podia voltar pra casa de jeito nenhum, não tinha trem e as estradas estavam fechadas. A casa do meu consorte era pequena, ficávamos juntos o tempo todo e já não tínhamos água, luz e muito menos internet.
 
Negligentes como o Leite e o Melo, ficamos sem água rapidamente e a situação do banheiro era calamitosa, tendo que fazer cocô em cima de cocô.
 
“Romance é bom, mas precisa da falta e espaço”, não sei quem disso isso, mas eu acrescentaria que também precisa de ÁGUA.
 
Diante desta realidade, medidas e banhos precisavam ser tomados, além de conseguirmos água. A única opção era ir até a casa da “sogra” (que tinha poço artesiano) e conhecer TODA família.
Fingindo normalidade e com muito traquejo social, mas, além de tudo, querendo estar limpa e cheirosa, foram várias visitas à família, rendendo até chimas, janta e até um almoço de dia das mães, com direito a conhecer “enteada, cunhada e sobrinhos”.
 
No fim, foram onze dias tranquilos, felizes e prazerosos, talvez até porque diante tudo que estava acontecendo ao nosso redor, tínhamos também que sobreviver a nós mesmos.
 
Minha dica, pra qualquer date de agora em diante, é estar sempre preparada e levar um kit de sobrevivência na bolsa.
 
 

2 respostas para “Um date no fim do mundo ou a noite de que durou onze dias, relato anônimo”

  1. Avatar de ventomar

    Que relato delicioso… fácil se imaginar em tamanho romantismo, e forçação. Afinal essa segunda parte é o que todas pessoas atingidas passaram.
    Ótima experiência, quase didática, para usarmos nas aulas vindouras (assim espero) sobre planejamentos para eventos extremos (que espero que não venham).
    Nada como conhecer melhor o date no pior cenário possível. Se sobreviveram bem a isso, vale o investimento nem que seja para ter história para contar no futuro, caso venha a se afastar. Aliás, história já tem. Imortalizados!
    Obrigado.

  2. Avatar de Leila souza
    Leila souza

    Quantos romances surgem sem problemas e não duram uma noite de vida normal? Ela viveu a realidade de conhecer alguém na marra, no caos ,eu achei muito interessante…
    Queria saber se continua..

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